Missão Cardozo. Segurança Pública passa a ser tema prioritário para o novo ministro da Justiça, que revela seus planos para entrar no combate ao crime organizado. Hugo Marques - Revista Isto É - N° Edição: 2145 | 16.Dez.10 - 12:00 | Atualizado em 18.Dez.10 - 21:30
Nunca a questão da segurança pública esteve tão presente na pauta do governo federal. Na campanha eleitoral, tanto Dilma Rousseff quanto José Serra deram prioridade ao tema. Serra, em arroubo retórico, chegou a anunciar a criação de um ministério da Segurança Pública. E referiu-se também à necessidade de reforçar as fronteiras. Dilma, mais objetiva, prometeu ênfase ao setor, mas sem maiores detalhes. Logo após as eleições, houve a surpreendente ocupação do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, numa ação integrada das polícias estaduais e federais com as Forças Armadas. Em meio à estratégica cooperação da União, a presidente eleita nomeou o deputado federal José Eduardo Cardozo (PT-SP) para o Ministério da Justiça, exatamente com a missão de fortalecer o combate à bandidagem. Antes mesmo de assumir o cargo, o novo ministro começou a costurar um pacto para conter o tráfico de drogas e o contrabando de armas. “O meu sonho é envolver a opinião pública nacional e fazer um trabalho competente nessa área de combate ao crime organizado. O Rio nos dá um exemplo e o Brasil tem que aproveitá-lo”, afirmou Cardozo à ISTOÉ. “Na hora em que são chamados para uma luta como essa, decisiva para o País, os brasileiros têm que estar juntos.”
A missão de Cardozo é espinhosa. Mais ainda quando constata sua falta de intimidade com o tema da segurança pública. O deputado tem qualidades de sobra. É procurador do município de São Paulo e professor de direito administrativo. Na vida política, reelegeu-se vereador em São Paulo, em 2000, com a maior votação da história do País. Exerceu dois mandatos na Câmara e este ano não se recandidatou, preferindo se dedicar à campanha de Dilma Rousseff. Com o presidente do PT, José Eduardo Dutra, e o ex-ministro Antônio Palocci, Cardozo compunha o grupo batizado por Dilma de “três porquinhos”. Seu perfil, sem dúvida, chama a atenção e está à altura de ocupar um alto posto no Executivo. Resta saber, porém, se Cardozo está apto a chefiar o Ministério da Justiça, num momento em que se exige que a pasta mais antiga da República se concentre no combate ao crime. Cardozo, que já havia se candidatado ao cargo quando Tarso Genro se afastou para concorrer ao governo do Rio Grande do Sul, considera-se preparado para a missão. “Temos de perder a mania de pensar em semideuses como gestores. As pessoas precisam perder a vaidade e perceber que têm de somar para resolver os problemas do País”, afirma o futuro ministro.
Defensor intransigente dos direitos humanos, Cardozo tem uma visão bastante diferente da dos militares linha dura que historicamente conduziram a segurança pública. “O Estado tem o dever de investigar delitos e puni-los, mas todos devem ser respeitados em seus direitos”. Ele faz elogios ao trabalho “abnegado” da Polícia Federal, mas diz que não vê com bons olhos as operações com ares de espetáculo, que levam a linchamentos sociais. Também se mostra disposto a pôr fim às disputas entre a PF e o Exército. Mentor do Código de Ética do PT e relator do projeto de lei dos fichas limpas, Cardozo alinha-se aos petistas que consideram que o ex-ministro José Dirceu foi vítima de injustiça no caso do mensalão, tornando-se réu sem provas suficientes. Mas, apesar disso, promete dar combate à corrupção na administração pública. Na opinião do futuro ministro, dificilmente o crime se organiza sem a conivência de parte do aparelho do Estado.
O projeto de Cardozo para o ministério baseia-se em três grandes eixos. Com governadores e prefeitos, ele vai discutir um plano para integrar o trabalho das polícias estaduais e federais. Para acelerar a aprovação de leis mais eficientes no combate ao crime, convocará representantes do Legislativo e do Judiciário. Para fortalecer a fronteira terrestre de 16,8 mil quilômetros, buscará um pacto com os países vizinhos. Cardozo já está amarrando as pontas desse grande acordo. Há duas semanas, ele teve uma conversa com o ministro de governo boliviano, Sacha Lhorenty, e pretende reunir em janeiro representantes da Bolívia, Colômbia, Peru, Paraguai, Uruguai e Venezuela. O Ministério da Justiça já vinha costurando o Plano Sul-Americano de Combate às Drogas, com ações conjuntas entre Brasil, Peru e Bolívia. Mas Cardozo quer ir mais longe.
Em relação ao policiamento das fronteiras, o futuro ministro usará sua experiência jurídica para integrar definitivamente os mecanismos de investigação dos países da região. “É preciso entendimento entre as forças policiais e militares da América do Sul”, ressalta. A decisão de dar prioridade às divisas com outros países começou a ganhar corpo ainda em 2007, quando a ministra Dilma Rousseff foi à Amazônia, integrando uma comitiva que percorreu 11 mil quilômetros e visitou postos do Exército. No âmbito interno, também não faltam planos ao governo Dilma. “A questão é fazer um pacto nacional para a segurança pública. Isso passa por entendimento amplo do Ministério da Justiça com todos os governadores e prefeitos.” Qualquer seja a iniciativa de Cardozo, o que a presidente eleita Dilma Rousseff pede é urgência. “Eu não aceito esse negócio de traficante mandar em favela, de não podermos sobrevoar o Morro do Alemão de helicóptero”, disse Dilma, recentemente, a seus auxiliares.
Além do sinal verde de Dilma, Cardozo também terá a seu dispor um volume jamais visto de dinheiro e recursos tecnológicos. Em razão da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016, a PF já começou a investir 318 milhões de euros (mais de R$ 700 milhões) em equipamentos modernos. Quando a bola rolar no jogo de abertura da Copa, em 2014, a PF terá 12 furgões antibombas, um para cada cidade-sede, equipados com instrumentos capazes de desativar artefatos biológicos sem a necessidade de esvaziar os estádios. Haverá também um sistema de reconhecimento facial dos torcedores. Para vigiar as fronteiras, a PF adquiriu aviões não tripulados, os Vant, que estão em fase de teste. O Ministério da Justiça também garantiu R$ 2 bilhões para projetos comunitários de combate à violência nos municípios, em 2011. Como se vê, José Eduardo Cardozo pode ser neófito em segurança pública, mas tem munição pesada para reduzir os índices de criminalidade do País.
BURACOS PELA FRONTEIRA
O tráfego de caminhonetes pela BR-174, entre Boa Vista, Roraima e Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, é intenso. Esses veículos têm tanques camuflados para armazenar 100 litros de gasolina e são usados por brasileiros que cruzam a fronteira várias vezes ao dia para comprar o combustível na cidade venezuelana de Santa Elena do Uiaren, onde o litro custa R$ 0,60, e levar para Boa Vista, onde o preço é quase cinco vezes maior: R$ 2,85. No posto da Receita Federal de Pacaraima existe apenas um fiscal. Um levantamento do Sindicato Nacional dos Analistas Tributários da Receita (Sindireceita) revela a fragilidade na vigilância dos 16,8 mil quilômetros de fronteira seca do País, entre o Oiapoque, no Amapá, e o Chuí, no Rio Grande do Sul. Somente em Mato Grosso do Sul, a mais conhecida rota de traficantes, com 900 quilômetros de vizinhança com Paraguai e Bolívia, existem 200 quilômetros de estradas vicinais sem nenhum controle e por onde circulam, inclusive, ônibus e carretas carregados de contrabando, sob o olhar impotente dos fiscais. O combate à entrada ilegal de produtos no País é obrigação da Receita Federal, que tem, inclusive, precedência sobre os demais órgãos no controle alfandegário. Mas a falta de estrutura é tão gigantesca quanto o tamanho da fronteira. A Receita conta apenas com 31 postos aduaneiros. Média de um posto a cada 540 quilômetros, onde trabalham 596 servidores, cerca de 3% dos 19.600 auditores fiscais e analistas tributários que compõem o quadro da Receita, quando deveria ser de pelo menos o dobro.
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