“MILÍCIAS” NAS RUAS. Taxistas em papel questionado - CARLOS ETCHICHURY E CARLOS WAGNER, Zero Hora, 11/11/2010
Acossados pela violência, grupos de taxistas de Porto Alegre se tornaram suspeitos de montar uma rede que, em nome da proteção, assume a função da polícia, inclusive agredindo passageiros. Relatos de vítimas, na coluna de ontem de Paulo Sant’Ana, geraram uma onda de manifestações e motivaram a promessa de investigação e reforço nas barreiras. A reação tem o apoio do sindicato, que deseja a identificação de maus profissionais para melhorar a imagem da categoria.
A suspeita de que taxistas estariam interrogando, revistando e até espancando passageiros identificados como suspeitos de assaltos surpreendeu os gaúchos.
Publicados pelo colunista Paulo Sant’Ana, depoimentos de vítimas motivaram reação de policiais e agentes de trânsito: a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) promete intensificar blitze e a Polícia Civil anunciou a abertura de inquérito policial. Ontem à noite, servidores da prefeitura e PMs do Batalhão de Operações Especiais realizaram barreiras com o objetivo de identificar integrantes de grupos fora da lei formados por taxistas.
– É um fato gravíssimo – definiu Vanderlei Cappellari, diretor-presidente da EPTC.
Vítimas da violência, taxistas contabilizam 28 mortes em serviço desde 2003. São casos que chegam ao conhecimento da opinião pública. A maior parte das pessoas desconhece, ainda, que a cada seis horas, taxistas na Capital ficam na mira de revólveres – situações que raramente chegam à polícia.
– Há uma omissão do Estado em reprimir assaltos e punir crimosos. A nossa categoria trabalha acuada, e o medo não é um bom conselheiro – diz o presidente do Sindicato dos Taxistas de Porto Alegre (Sintaxi), Luiz Nozari.
É no rastro dessa inoperância estatal que grupos à margem da lei estariam se formando. Armados com cassetetes e armas que aplicam choque, eles interromperiam viagens para interrogar passageiros ou revistar suspeitos – quase sempre negros, moradores de vilas ou bairros de periferia. Dependendo do roteiro e da conduta dos clientes, motoristas tornariam-se violentos. Um cabeleireiro de 35 anos teve o braço direito quebrado ao ser agredido. Motivo? Ao sair de uma festa, ele vomitou pela janela do carro (ver abaixo). Segundo o cabeleireiro, irado, o motorista parou o carro, obrigou-o a descer e o espancou, auxiliado por uma dezena de motoristas.
Caso se confirme, não seria a primeira vez que taxistas atuariam como forças parapoliciais. Em outubro do ano passado, traficantes, auxiliados por taxistas, ajudaram a deter um jovem de 19 anos suspeito de atacar dois motoristas numa mesma madrugada na Cohab, o bairro Cavalhada. Ao se conhecerem registrando queixa numa delegacia da Polícia Civil, as vítimas decidiram prender o criminoso. Traficantes localizaram e entregaram um suspeito para a dupla de taxistas, que o espancou e o apresentou à polícia.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RS, Ricardo Breier, cobra investigação.
– O cidadão não pode correr o risco de ser confundido por criminosos e ficar nas mãos de um grupo de taxistas. Mas é importante reconhecer que o Estado não é eficaz e nem ágil para apurar os crimes – alerta Breier.
BM e Civil rebatem críticas de inoperância
A alegação de que a Brigada Militar (BM) e a Polícia Civil não fazem o suficiente para impedir ataques a taxistas – o que geraria as “milícias” – recebe crítica da cúpula dos órgãos. De acordo com taxistas, a morte de 28 motoristas desde 2003 na Capital é resultado da omissão de policiais militares e civis na prevenção e punição dos criminosos.
– Grande parte dos casos envolvendo taxistas é resolvida – diz o delegado Cleber Ferreira.
O titular do Comando de Policiamento da Capital (CPC), coronel Antero Batista, diz que a BM faz blitze e outras ações para conter o problema: – Dizer isso (que a BM não faz nada para impedir os crimes) é uma afronta ao nosso soldado.
O prefeito José Fortunati reconhece as falhas na segurança, mas condena os grupo parapoliciais.
– A sociedade não oferece a segurança que o cidadão merece. Mas não é com ações como estas que se resolve o problema – diz.
O presidente do Sindicato dos Taxistas de Porto Alegre, Luiz Nozari, concorda com o prefeito. Defende a saída de maus profissionais para melhorar a imagem da categoria.
A noite de medo dos taxistas. Sentindo-se desamparados pela Brigada, motoristas acionam colegas por códigos secretos, via rádio, na luta contra violência Coronel João Carlos Trindade, comandante da BM - ANDRÉ MAGS, colaborou Humberto Trezzi, Zero Hora 12/11/2010.
Sem confiar na Brigada Militar (BM), taxistas de Porto Alegre montaram um sistema de ajuda mútua na busca por proteção. Eles usam códigos secretos, acionados por rádio, para buscar o apoio dos colegas e enfrentar as madrugadas inseguras, como Zero Hora confirmou ontem em conversas em pontos de táxi.
Na quarta-feira, o colunista Paulo Sant’Ana revelou que, acossados pela violência, grupos de motoristas se tornaram suspeitos de assumir o papel de polícia, interrogando, revistando e até agredindo passageiros.
– A Brigada Militar tem muita coisa para resolver. Não tem segurança para todos – sugere um taxista.
Desconfianças que surgem em meio a uma corrida são passadas à central de radiotáxi por comandos camuflados via PTT – o aparelho de comunicação dos veículos. Com a informação em mãos, a rádio repassa aos carros mais próximos. Eles partem, então, em direção ao colega em perigo.
– Pede um código e aí chove (taxistas em apoio). Isso é uma defesa. Um defende o outro – explica um deles.
Além da rede de proteção, os profissionais adotam outras estratégias. Em um ponto da Avenida Borges de Medeiros, no Centro, Luis Fernando da Silva, 28 anos – três como taxista –, tenta criar uma lista de indicadores para adivinhar o perigo. Sente que os bandidos preferem entrar em um carro cujo motorista seja mais velho. O resto é na sorte. Não adianta estar bem vestido, falar bem ou ser mulher. Todo passageiro é um risco, segundo ele.
Atuante em um ponto da Avenida Farrapos, César Antonio Trindade, 43 anos, criou um método de segurança. Depois da meia-noite, ele só atende a chamadas para corridas pelo rádio. Ele tenta evitar imprevistos como o que ocorreu com o colega Aires Gilberto Teixeira da Rocha, 46 anos, taxista desde 1997. Há três anos, ele deu carona a uma dupla e não desconfiou porque falavam bastante. Chegaram a pedir um cartão.
– A gente sempre precisa de táxi – disse um dos passageiros.
Logo em seguida, os dois revelaram estarem armados, um com pistola no banco de trás, o outro, ao lado, com uma faca. Rocha passou por maus bocados nas mãos dos criminosos. A principal ameaça era a de colocar o taxista no porta-malas. Possivelmente, ele estaria morto. Por sorte, conseguiu convencê-los a não fazerem isso. Foi assaltado, mas sobreviveu.
“Não há motivo para pânico” - Coronel João Carlos Trindade, Comandante da Brigada Militar prometendo ampliar as blitze para acalmar os taxistas:
Zero Hora – O que acha da formação de milícias por taxistas?
João Carlos Trindade – É intolerável. Eu até sei que muitos taxistas agem de forma unida e agressiva quando se sentem ameaçados, mas bater nas pessoas por simples desconfiança é demais. É preciso calma.
ZH – O senhor não vê motivos para preocupação dos taxistas quanto a assaltos?
Trindade – Sei que eles sofrem bastante com assaltos. Mas veja só: seis ou oito veículos assaltados por dia é um número alto, mas não chega a ser situação de calamidade, como Buenos Aires e Córdoba. Claro, o ideal é que não ocorram roubos.
ZH – O que a BM pretende fazer?
Trindade – Já estamos fazendo. São as blitze. No Estado, foram 149.318 táxis vistoriados este ano, com média de 475 por dia. Em Porto Alegre, foram 46.006 (média de 146 por dia). Elas vão aumentar, não há motivo para pânico
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