Pesquisa retrata a insegurança no RS. Com 2 mil entrevistas em 50 municípios do Estado, pesquisa do Instituto Methodus revela que 45,8% dos gaúchos temem por sua segurança - JULIANA BUBLITZ, Zero Hora, 15/11/2010
Além de impasses concretos, como a necessidade de construir presídios e albergues, o novo governador do Estado terá um desafio menos palpável, mas nem por isso de menor importância: amenizar o sentimento de insegurança dos gaúchos. Pesquisa revela que essa sensação caiu ao longo da última década.
Obtido com exclusividade por ZH, levantamento do Instituto Methodus revela que 45,8% dos entrevistados, oriundos de 50 municípios, não se sentem seguros em suas comunidades. O levantamento ainda mostra que, de cada três gaúchos, um espera o reforço no cerco ao tráfico como prioridade da segurança do novo governo.
Aplicados em outubro, os questionários tiveram por objetivo detectar a percepção de 2 mil pessoas. Na Capital, o medo de ataques é maior do que a média estadual: 55,2%. Em 2007, levantamento da Fato Pesquisa Social e Mercadológica (encomendado pelo Grupo RBS) com 800 pessoas nas 10 cidades com maior número de homicídios apontou que 88% sentiam-se inseguros.
– Percebemos que a sensação de insegurança não se relaciona apenas ao policiamento ou à falta dele, mas a muitos outros aspectos. Entre eles, a situação da iluminação de cada cidade – afirma a diretora de análise do Instituto Methodus, Margrid Sauer.
Para o psiquiatra Renato Piltcher, da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, a questão é ainda mais complexa. Primeiro, por ser subjetiva. Isto é, o que causa medo ou incerteza em determinada pessoa pode não ter o mesmo efeito em outra. Em segundo lugar, por ser uma percepção datada, que pode inclusive ser influenciada pela enxurrada de notícias diárias.
– A instantaneidade com que sabemos do que acontece ao nosso redor, especialmente tragédias e atos violentos, colabora para reforçar a sensação de medo, tanto quanto crimes que presenciamos ou sofremos – avalia.
Quando perguntados se já haviam sido vítimas de roubo ou furtos, 40% dos entrevistados responderam sim. Em Porto Alegre, o índice supera a média estadual: 55,7%.
A bióloga Michele Hoeltz, 31 anos, integra esse grupo desde 2003, uma semana depois de se mudar para a Capital. Ela e as amigas saíam de casa para uma festa quando foram abordadas por um encapuzado armado na garagem do prédio, na Rua Anita Garibaldi. O ladrão colocou as amigas no carro, num pesadelo de duas horas. Ele levou o dinheiro – e o sossego – das vítimas.
– Ninguém, em Porto Alegre, está 100% seguro. Superei o trauma, mas desde então tomo certos cuidados para não ser pega de surpresa outra vez.
Para resolver os problemas da insegurança, os gaúchos exigem ações contra as drogas. Ao serem indagados sobre o que esperam do novo governo, 31,2% disseram apostar no combate ao tráfico. Em segundo lugar, a reivindicação por mais PMs. A surpresa foi o desinteresse por reforma e construção de presídios – em penúltima colocação nas preferências, com apenas 2,9%.
Uma das possíveis explicações para isso pode ser o entendimento geral de que a falta de vagas nas cadeias não interfere na vida das pessoas. Por outro lado, a preferência pelo combate ao tráfico revela uma tendência cada vez mais explícita: a população compreendeu que a venda de entorpecentes está por trás de grande parte dos crimes.
– As pessoas estão denunciando mais e exigindo da polícia. Há um clamor pelo fim do tráfico – diz.
Entrevistados percebem melhorias na segurança
Embora a sensação de insegurança aflija 45,8% dos entrevistados no Estado, mais da metade deles – 61,6% – informaram ter percebido progressos na área da segurança nos últimos meses. Segundo a pesquisa, 51,8% disseram ter detectado algumas melhorias e 9,8% muitas melhorias.
Tomados apenas os resultados do levantamento no Interior, o índice aumenta: 64,9% das pessoas ouvidas afirmaram ter detectado avanços. Na Capital, o otimismo é menor, mas ainda assim passa dos 54%.
Esses resultados, para Margrid Sauer, diretora de análise do Instituto Methodus, estariam relacionados à incorporação de novos policiais civis e militares às delegacias e aos quartéis do Rio Grande do Sul, especialmente nos municípios menores, onde o número de agentes, em alguns casos, dobrou.
No domingo, ZH mostrou que no governo atual a BM teve a maior reposição de policiais em 25 anos (5,9 mil novos PMs) e crimes tradicionalmente em alta (como roubo de veículos) caíram.
O comandante-geral da Brigada Militar, coronel João Carlos Trindade Lopes, se surpreendeu ao saber de 37,4% dos entrevistados disseram não ter notado melhora.
O coronel lista o número de PMs admitidos e a estrutura de viaturas adquiridas (1,6 mil veículos). Na Polícia Civil, o aporte foi de mais de 1,5 mil servidores.
O PARÂMETRO NO MUNDO
Conforme um levantamento realizado este ano pelo Instituto Gallup, um terço da população de 105 países tem medo da violência urbana. Essa sensação, porém, é mais intensa na América Latina, onde 58% dos entrevistados disseram não se sentir seguros à noite na sua vizinhança – critério utilizado pela empresa de pesquisas e por organismos como a ONU para medir a sensação de insegurança. No Brasil, o índice é de 60%. O sociólogo Juan Mario Fandino Marino, integrante do Núcleo de Pesquisa sobre Violência da UFRGS, afirma que as pesquisas sobre percepção da violência costumam variar o método e o tipo de questionamento feito. Por isso, afirma que comparações devem ser feitas com prudência. O melhor é comparar diferentes edições de uma mesma pesquisa ao longo do tempo – avalia.
Novo governo apostará no Território da Paz - JOSÉ LUÍS COSTA
Para dar resposta à principal demanda dos gaúchos na segurança – o combate ao tráfico –, o novo governo indica que pretende expandir uma bem-sucedida experiência aplicada pelo governo federal quando o governador eleito, Tarso Genro, estava à frente do Ministério da Justiça. Embora o Território da Paz exista em pelo menos quatro pontos do Estado, a experiência de Canoas promete servir de modelo para uma das principais apostas do novo governo nos próximos quatro anos.
O programa consiste na montagem de bases em regiões castigadas pelo tráfico e a violência, visando a melhorias da prestação de serviços públicos e repressão à criminalidade, especialmente entre jovens de 15 a 24 anos. O projeto agrega uso de tecnologia de ponta, integração entre governos com as comunidades, regado a recursos federais do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci).
Instalado no bairro Guajuviras há seis meses, quando começou a chegar a verba federal de R$ 9 milhões, o projeto provoca uma transformação social na região onde vivem 70 mil pessoas, que chegou a ser chamada de Bagdá gaúcha no começo do ano passado.
O saldo das ações ainda são parciais, mas os resultados animam. O número de homicídios caiu 31,8% (de 22 para 15) na comparação com 2009. O inovador detector de tiros, instalado em agosto, já levou um suspeito para a cadeia e permitiu o socorro rápido a dois feridos.
– É uma experiência que precisa ser multiplicada – defende o sociólogo Juan Mario Fandino, do Núcleo sobre Violência da UFRGS.
A disseminação da iniciativa vai ocorrer a partir da identificação das principais áreas gaúchas de risco. O projeto deve ser administrado pelo titular da Segurança de Canoas, Alberto Kopittke, que deverá coordenar o futuro Programa Estadual de Segurança com Cidadania (Proesci).
O “LABORATÓRIO” de CANOAS
INTEGRAÇÃO ENTRE POLÍCIA E GOVERNOS - Consiste no mapeamento dos pontos conflagrados pelas drogas e pela violência e aumento das operações especiais. Também prevê reforço na vigilância eletrônica (por câmeras, por GPS e por sistema sonoro que identifica os pontos onde há tiros), além de reformas em escolas, postos de saúde e paradas de ônibus, entre outras iniciativas.
MULHERES DA PAZ - Treinadas por psicólogos, advogados e assistentes sociais ligados a ONG Themis, mais de 70 mulheres da comunidade divulgam os projetos do território e ajudam no recrutamento de jovens de 15 a 24 anos para inserção no programa. As mulheres ganham auxílio de R$ 190 mensais.
CASA DA JUVENTUDE - Reúne 95 jovens que desenvolvem atividades de inclusão digital em 67 computadores. Eles também têm aulas de teatro e música (estúdio para gravação de CD em construção) sob a coordenação de profissionais da Fundação La Salle. Os jovens são obrigados a estar estudando. No espaço ganham lanche e recebem bolsa de R$ 100 por mês.
JUSTIÇA COMUNITÁRIA - Duas dezenas de moradores da comunidade em parceria com psicólogo, assistente social e advogado atuam na prevenção de conflitos entre vizinhos, evitando que possam redundar em atos de violência. Em quatro meses, mais de 300 atendimentos e mediações já foram realizados. Os agentes comunitários recebem bolsa de R$ 190 mensais.
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