Dos 4 mil detentos do Complexo Penitenciário da Agronômica, em Florianópolis, 165 prestaram vestibular na tentativa de recomeçar a vida por meio do estudo em 2016. Os presos fizeram as provas de seleção da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Além de validarem o currículo dos três últimos anos da vida escolar, o saldo é positivo a respeito da possibilidade de iniciar (ou retomar) uma graduação: cinco passaram na federal, seis estão habilitados para o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e 15 vão tentar alguma bolsa pelo Programa Universidade para Todos (ProUni). Mas apesar da boa performance, ingressar no ensino superior depende de autorização judicial.
José*, 54, foi um dos que fez as duas provas de seleção. Ele, que aguarda o julgamento por assassinato ocorrido há três anos, teve pontuação suficiente para a graduação em Direito na Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul). Já no exame da UFSC, o ex-suboficial da Polícia Militar enfrentou uma média de sete candidatos por vaga e vai cursar Filosofia.
– As provas foram difíceis, mas dois meses antes recebi os livros sobre o Enem e ajudou. Busquei com afinco e fiz para passar. Esse foi o meu segundo vestibular e, pela segunda vez, prestei para Filosofia. Na década de 1990, já havia feito algumas disciplinas. Mas agora vai ser diferente, vou fazer com muito mais dedicação, porque achei que fiquei devendo – promete o reeducando, que garante ter estudado até tarde da madrugada, depois de ajudar no refeitório da unidade prisional para atingir o resultado.
Em 2015, 296 detentos do Complexo da Agronômica frequentaram as aulas oferecidas pelo Centro de Educação de Jovens e Adultos (Ceja) há mais de uma década em Florianópolis. Os conteúdos, ministrados semestralmente, retornam em 22 de fevereiro. Equipes estão fazendo levantamento desde a semana passada a fim de conhecer a demanda atual existente.
– O resultado do vestibular foi bem positivo. Temos uma boa equipe de professores, bastante dedicada. Os aulões para recapitular os conteúdos, apesar de serem oferecidos de forma diferente no presídio porque não se pode juntar os presos, também ajudaram. É bem gratificante para a gente poder oferecer a eles uma segunda chance – garante a diretora do Ceja em Florianópolis, Suyane Isidro Antunes, 45.
Para que o apenado seja admitido em uma universidade, é preciso obter autorização judicial – a partir da Defensoria Pública ou de advogado particular, pelo qual o processo pode custar até R$ 10 mil. A permissão geralmente é concedida quando o detento está no regime semiaberto. Atualmente, dois homens do Presídio Masculino de Florianópolis estão na faculdade. Eles cursam História e Serviço Social.
– Eles sabem que têm a capacidade de fazer e passar – admite a gerente responsável pela Educação no Complexo Penitenciário da Agronômica, Denise Patel Biz.
A Gerência de Saúde, Ensino e Promoção Social do Complexo Penitenciário da Agronômica garante, com certo orgulho, que o curso de Serviço Social acaba sendo escolhido por grande parte dos detentos em Florianópolis. Independentemente de ter ou não se inspirado no trabalho dos supervisores, essa foi a opção de Paulo*, 35.
Preso há três anos e dois meses devido ao envolvimento com o tráfico de drogas, ele começou o processo de ressocialização trabalhando na malharia existente na unidade prisional. Depois, em 2014, achou que deveria voltar a estudar. Terminou o ensino médio com as aulas ministradas na cadeia no fim do ano passado e já mirou a universidade. Inscreveu-se para a graduação que habilita a profissão de assistente social na UFSC, cuja concorrência no último vestibular foi em média de cinco candidatos por vaga, e passou em primeira chamada.
– Os próprios professores me indicaram o curso, porque me envolvi bastante na área. Quando vi que tinha passado, tomei um susto. Nem sabia que poderia conseguir. Meus familiares fizeram festa lá fora por mim – conta o detento, que tem um filho de 17 anos calouro de Engenharia Civil na UFSC.
Apoiado no histórico de bom comportamento, Paulo* espera progressão para o regime semiaberto e remissão da pena de 15 anos de condenação. Nessas condições, costuma ser mais fácil conseguir a autorização judicial para cursar uma faculdade ainda enquanto se está privado de liberdade.
Enem para privados de liberdade
O Enem para pessoas privadas de liberdade (PPL) é uma versão especial do exame pensada para adultos detidos e jovens sob medida socioeducativa. João* aproveitou a oportunidade.
Ele ultrapassou os 450 pontos necessários em cada uma das quatro áreas de conhecimento do exame para tentar uma bolsa de estudo em universidade particular por meio do ProUni: teve média 600. Ele só cursou quatro das 12 matérias obrigatórias do ensino médio. Mas pediu os livros e estudou à noite por conta própria na cela.
– Estou feliz e ansioso. Quero tentar Direito ou Turismo e Hotelaria, porque eu era garçom antes disso tudo acontecer e me relaciono bem com o público. Quero o melhor para a minha filha – garante o detento, que tem uma menina de quatro anos.
Para garantir a participação dos apenados, unidades prisionais e socioeducativas firmam termo de adesão com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), indicando um responsável pela inscrição e pelo acompanhamento de cada candidato.
As provas têm o mesmo modelo e o nível de dificuldade do Enem tradicional, compostas por 180 questões, subdividas em quatro grandes áreas do conhecimento: ciências humanas, ciências da natureza, matemática e linguagens e códigos e redação.
*Os nomes foram alterados para preservar a identidade dos detentos.
Fonte: Clicrbs